quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A escuridão ao meio-dia: a ascensão de Hitler e de Stalin

gays, lésbicas, socialismo, comunismo, reich, freud, heterossexualidadeA década de 30 foi uma das piores épocas para os socialistas. A década presenciou a vitória do fascismo na Alemanha e na Espanha e o domínio final de Stalin na Rússia e no movimento comunista internacional.

A Alemanha havia sido o coração do movimento gay e possuía o maior partido comunista fora da Rússia e um partido social democrata de massas. E, no entanto, Hitler chega ao poder sem sequer um combate.

Os nazistas haviam usado tropas de assalto gay na SA para ajudá-los a assumir o controle das ruas. Na "noite das longas facas" a SA foi eliminada pela SS, que se tornou o principal instrumento de terror. Qualquer ilusão de que os nazistas pudessem ser indulgentes com os gays pelo fato de que alguns de seus primeiros líderes haviam sido gays, foi dissipada de maneira selvagem.

Desde que chegaram ao poder em1933, os nazistas atacaram não somente os judeus, mas também os gays, socialistas, ciganos e sindicalistas. O Instituto de Hirschfeld foi atacado e incendiado. Os sindicatos foram desmantelados, os partidos socialistas e comunistas foram banidos e os ativistas enviados aos campos de concentração. Milhões de vidas pereceram nas câmaras de gás, incluindo centenas de milhares de gays. O triângulo cor de rosa, usado hoje como um símbolo gay, originou-se da identificação usada pelos prisioneiros gays nos campos de concentração de Hitler.

A nova Alemanha seria construída sobre as ruínas das organizações da classe trabalhadora, com todos os elementos considerados como "desvios" sendo utilizados, junto com os judeus como bodes expiatórios - "elementos doentios" eram exterminados para criar a raça pura.

Era um capitalismo sem qualquer esmalte liberal, o nacionalismo nu e cru, o racismo e o sexismo selvagem - as criações da sociedade de classes e do capitalismo levadas às suas conclusões mais extremas e horrendas.

Mas também na Rússia, os acontecimentos seguiam um curso sombrio. No final dos anos 20, Stalin lançou um programa de industrialização forçada para possibilitar ao estado russo competir com o capitalismo ocidental em seu próprio terreno. Todos os ganhos da revolução foram anulados, e os altos custos da industrialização foram suportados pelos trabalhadores e camponeses russos. Os direitos e as organizações dos trabalhadores foram esmagadas, as condições de vida foram pioradas cada vez mais, ao mesmo tempo em que se trabalhava cada vez mais. A resistência a essa contra-revolução foi resolvida com trabalho forçado, exílio e execução. Das cinzas da revolução surgiu uma nova forma de capitalismo - o capitalismo de estado burocrático - o qual se colocou a tarefa de modernizar a Rússia e alcançar o ocidente. A burocracia estatal formada pelos membros dos altos escalões do partido comunista tornou-se a nova classe dominante.

Novamente milhões morreram nesse processo, nos campos de trabalho da Sibéria. Transformar um partido da classe trabalhadora em uma nova classe dominante só era possível com a destruição física daqueles que permaneciam revolucionários. Muitos bolcheviques antigos recordavam os dias em que eles estavam em um partido que lutava pela libertação e pelo socialismo pela base. Eles foram expulsos do partido, exilados ou assassinados. Trotsky tornou-se a figura em torno da qual a oposição se organizou, tendo sido um dos poucos revolucionários que sobreviveu aos expurgos de Stalin. E uma vez mais uma derrota para a esquerda foi uma derrota para gays e lésbicas.

Na medida em que a revolução foi se degenerando durante a década de 20, as conquistas das mulheres sofreram uma erosão progressiva. Cozinhas e creches comunais ou foram fechadas ou se tornaram inadequadas para o uso. O processo iniciado pela revolução de abolir a família foi completamente interrompido. A contra-revolução de Stalin foi mais além, promovendo a família como uma das instituições-chave para manter a ordem e uma nação "saudável".

Em 1934, toda a legislação progressista dos bolcheviques sobre a sexualidade foi revertida. A homossexualidade tornou-se ilegal (ainda é ilegal na União Soviética). Os abortos se tornaram impossíveis de serem realizados a menos que se fosse um membro da classe dominante. As mulheres passaram a ser idealizadas como mães e recebiam medalhas pelo número de filhos que tinham.

De um modo horrendo, a Rússia de Stalin e a Alemanha de Hitler espelhavam um ao outro no tocante à política sexual. Na Alemanha, a homossexualidade era denunciada como uma "prática bolchevique". Na Rússia e nos partidos comunistas ao redor do mundo (agora efetivamente instrumentos da política externa russa), era rotulada como um "desvio burguês", um rótulo que persiste entre alguns setores da esquerda. Os cartazes e a propaganda de ambos os países nos anos 30 eram espelhos uns dos outros. Em ambos, retratavam-se mães saudáveis com crianças em seus braços. O realismo socialista do stalinismo era idêntico à arte nazista na sua dependência de estereótipos sexuais.

O efeito do stalinismo na esquerda dos anos 30 aos anos 60 não pode ser subestimado. Ele quase destruiu a memória do socialismo pela base, do socialismo como criação da classe trabalhadora, da luta pela libertação sexual.

Na Grã-Bretanha, duas correntes dominaram no campo da esquerda, o Partido Comunista stalinista e o Partido Trabalhista reformista. Ambos eram reacionários nas suas idéias e práticas sobre a sexualidade. O Partido Comunista estava imbuído de todas as idéias que já descrevemos e que emanavam da Rússia stalinista. E o Partido Trabalhista estava associado há muito tempo com o metodismo e a "classe trabalhadora respeitável". Quaisquer noções de "desvio" sexual eram vistas como sendo perversões da classe dominante ou da classe média.

A memória do que havia sido a Revolução Russa, nas palavras de Lenin o "festival dos oprimidos", foi quase extinta. A tarefa de manter vivas as idéias marxistas nas piores condições possíveis coube a pequenos grupos isolados que se aglutinavam em torno de Trotsky. Marginalizados como estavam, as idéias se tornaram distorcidas. Essas idéias só foram redescobertas com a revitalização da luta nos anos 60.

A tradição stalinista não só abandonou qualquer luta pela libertação gay, mas também vinculava a homossexualidade com o nazismo, como produtos similares do capitalismo decadente. Exemplo típico das atitudes do stalinismo nessa época é este extrato de uma resenha de uma peça de Mae West publicada na revista americana The New Masses em 1934:

"(...)a introversão é essencialmente uma doença de classe e o resultado direto de uma vida sibarita [vida dada a prazeres, N.doT.] que finalmente resulta num profundo tédio pela falta de qualquer estímulo ou excitação possíveis. Está invariavelmente associada com aqueles elementos gêmeos de perversão, o sadismo e o masoquismo, e geralmente revela-se entre os representantes de uma classe decadente. A crueldade sádica do hitlerismo não é acidente. É o sintoma inequívoco de uma doença incurável (...) foi somente com o advento do Fuehrer que a homossexualidade foi elevada à categoria da arte de governar". [ citado em Joseph North (ed.), New Masses Internacional Publishers]

Ao mesmo tempo em que isto estava sendo escrito dezenas de milhares de lésbias e gays estavam sendo levados às câmaras de gás de Hitler.

E, no entanto, os partidos comunistas tinham em suas fileiras muitos escritores e "companheiros de viagens" gays famosos - W H Auden, Christopher Isherwood, Stephen Spender, E M Forster, entre outros. Eles nada disseram à época, em parte devido ao sentimento de culpa (culpa de ser classe média, mesclada à culpa de ser gay) e em parte pelos tempos sinistros. Somente André Gide criticou a Rússia por ter uma posição reacionária sobre a questão, e por causa disso foi violentamente atacado pela "esquerda". A vasta maioria dos "companheiros de viagens" dos anos 30 abandonou a política de esquerda nos anos 40 e 50. Alguns passaram para a direita. Auden retornou ao catolicismo, e Isherwood voltou-se para o misticismo oriental.

Mas nos anos 30, com a maré crescente do fascismo, o comunismo stalinista - não importava o quão suspeitas algumas de suas idéias fossem - parecia ser a única esperança para a maioria dos socialistas. A homossexualidade voltou para os porões da sociedade e deixou de ser parte da tradição da esquerda. Os gays viram-se encerrados em um mundo secreto de pessoas que eram identificadas por códigos e senhas somente compreendidos por elas próprias. Permaneceram encerrados num mundo subterrâneo dos bares gays, dos clubes privados, dos banheiros públicos e da linguagem codificada.

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