quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A Segunda Internacional

A II Internacional foi uma organização operaria de massas. Dentro os partidos que a compunham, o maior partido, e o mais importante era o Partido Social-Democrata (SPD) Alemão. O SPD aglutinava milhões de trabalhadores, influenciando-os não só politicamente, mas também a sua vida social e cultural. O partido organizava tavernas, corais, ciclismo e outras diversas atividades. Era como uma sociedade dentro da sociedade. Ilegal por muitos anos, o SPD foi o maior e mais impressionante movimento socialista anterior à Revolução Russa.

Nas décadas de 1880 e 1890, foi o centro das idéias e atividades socialistas. Com Engels como seu guia ideológico e critico, e contanto com dirigentes do porte de Rosa Luxemburgo, Karl Liebcknecht, August Bebel e Karl Kautsky – chamado então de o “Para do Marxismo” –, o SPD proclamava-se marxista e revolucionário.

Mas, por baixo da superfície, a realidade não era tão simples assim. O SPD era um partido de massas, mas era também um partido confuso e sem unidade. Dentro dele existiam diferentes correntes, muitas das quais não era marxistas ou eram ate mesmo anti-marxistas e que se opunham ao socialismo revolucionário. Eduard Bernstein foi o mais famoso teórico que defendia a evolução gradual do capitalismo através de reformas, em contraposição à mudança revolucionária.

Mais importante era o fato de que o SPD, embora usasse palavreado marxista, na pratica atuava como um partido reformista. Seus deputados, dirigentes sindicais e as inumeráveis organizações de que dispunha foram criados dentro da estrutura do capitalismo, na realidade, baseavam-se nela. Na Alemanha, com um baixo nível de luta de classes, a diferença entre a classe trabalhadora e o partido não era clara na cabeça dos membros do SPD. O socialismo para eles significava, na pratica, conquistar o estado, com o partido conquistando gradualmente a hegemonia por dentro da sociedade. Em outras palavras, o partido substituía a classe trabalhadora enquanto agente da mudança social.

Mas, do mesmo modo como o socialismo revolucionário, a tradição de luta pela liberdade sexual também fazia parte do SPD. Da década de 188 até os anos 30 do século passado, a luta pela libertação sexual era parte do movimento socialista. Uma historia da luta contra a opressão sexual nesse período só pode ser entendida como parte da história mais abrangente do próprio movimento socialista. E, assim como o SPD era o centro da II Internacional, também era o centro da política sexual.

A homossexualidade era ilegal na Prússia nos anos de 1860 e mais tarde no código penal da Alemanha em 1871 – no famoso parágrafo 175. Já nos anos 1860, os socialistas alemães tiveram que lutar contra a opressão gay. Em 1861, um jovem chamado J. B. Von Schweitzer foi preso e julgado por homossexualismo em Mannheim. Ele foi defendido por Ferdinand Lassale, um dos primeiros dirigentes socialistas da Alemanha, e em 1863 ingressou a Associação Universal dos Trabalhadores, vindo a tornar-se um dos seus dirigentes.

Em 1897, Magnus Hirschfeld fundou o Comitê Humanitário Cientifico. O Comitê colocou-se a tarefa de legalizar o homossexualismo, esclarecer a opinião publica sobre o assunto e “despertar o interesse no próprio homossexual para a luta por seus direitos”. O Comitê foi o primeiro grupo de reforma gay. Como parte de sua campanha foi lançada uma petição pela revogação do parágrafo 175.

O SPD teve um papel fundamental nessa campanha. August Bebel encaminhou a petição para o Reichstag – o parlamento alemão – no dia 13 de junho de 1898 e reivindicou a revogação da lei. Nas assinaturas de apoio à petição constavam as dos mais proeminentes lideres do SPD, entre eles Eduard Bernstein, Karl Kautsky e Käthe Köllwitz.

Mas a questão mais importante que os socialistas enfrentaram na luta contra a opressão gay foi o julgamento do escritor inglês Oscar Wilde em 1895. O julgamento tornou-se uma desculpa para uma ampla campanha anti-gay na Grã-Bretanha. Bernard Shaw tentou encaminhar uma petição, mas não conseguiu nenhuma assinatura do Partido Liberal.

Na Alemanha, o jornal do SPD, Dio Neue Zeit, defendeu Oscar Wilde. Bernstein, em um longo artigo publicado em duas partes em 1895, apresentou uma critica materialista da moralidade e sublinhou a obrigação dos socialistas de se colocarem enquanto direção nas questões sexuais a partir de uma “perspectiva científica”. Ele argumentou contra as noções de sexualidade “natural” e “não natural”:

“Antigamente os romanos, gregos, egípcios e vários povos asiáticos cultivavam a gratificação homossexual (...) o intercurso entre sexos iguais é tão antigo e tão disseminado que não podemos afirmar com certeza que algum estágio da cultura humana esteve livre desse fenômeno (...) atitudes morais são fenômenos históricos” [citado em John Lauritson ans Dvid Thorsad, The Early Homossexual Rights: Movement 1864-1935]

A campanha pela petição levou a um debate no Reichstag em 1905, com SPD de um lado e todos os outros partidos de outro. Adolph Thiele dirigiu o SPD no debate e o jornal do partido, Vorwärts, deu ampla cobertura à campanha.
Assim, o SPD tinha uma atitude correta opressão gay. Mas havia também muita teórica sobre o assunto. Os artigos de Bernstein era os melhores que o partido havia produzido sobre a questão, atacando A idéia de uma natureza humana estática. Mas as teorias dos reformadores sexuais tinham muitas debilidades e confusões.

Magnus Hirschfeld foi um dos mais influentes, tendo cumprido um papel central nas campanhas e atividades desde os anos 1890 até a década de 1930. Ele afirmava que lésbicas e gays constituíam um “terceiro sexo” – a meio caminho entre homem e mulher, física e mentalmente diferentes dos outros dois sexos. Na realidade, ele acreditava numa versão liberal de determinismo biológico.

As pessoas nasceriam como homens, mulheres e do terceiro sexo, cada sexo tendo características físicas e mentais pré determinadas. A sociedade, afirmava ele, deveria aceitar o terceiro sexo, uma vez que era tão natural como os outros dois sexos. No fundo, as idéias de Hirschfeld era reacionárias, e foram mais tarde deturpadas e utilizadas pelos nazistas para justificar a eliminação de lésbicas e gays, tidos como “desvios genéticos”.

Na Grã-Bretanha, a esquerda era muito mais fraca que na Alemanha. Os partidos “marxistas” eram pequenos e reacionários em muitas questões, incluindo a política sexual. Dessa forma, apenas indivíduos isolados lutaram por reformas nesse campo, dentro os quais o mais importante foi Edward Carpenter.

A visão de Carpenter do socialismo era a de uma nova era da democracia, camaradagem e liberdade sexual. Em 1894, ele fez uma palestra sobre “amor homogênico”, mais tarde publicado pela Manchester Labour Press. O pânico homofóbico que varreu a Grã-Bretanha após o julgamento de Wilde isolou Carpenter, mas o seu livro Love’s Coming of Age vendeu mais de 50 mil cópias até 1914.

Carpenter tinha pontos de vista parecidos aos de Hirschfeld, com a exceção de que ele acreditava que o terceiro sexo era um potencial na maioria das pessoas. Embora radical, ele era essencialmente um utópico – a nova era seria conquistada pela educação e o exemplo do “amor querido de camaradas”. Para ele, o “sexo intermediário”, através do exemplo, teria um papel especial nesse processo de transformação.

“É possível que o espírito uraniano [gay] possa levar a algo como um entusiasmo geral da humanidade, e que o povo uraniano possa ser destinado a formar a vanguarda do grande movimento que um dia transformará a vida comum, fazendo com que a terra de afeição pessoal e de compaixão substitua esta controlada por laços monetários e legais que hoje confinam a sociedade”. [Edward Carpenter, The Intermediate Sex].

Ao todo, foram publicados 4 cadernos de Carpenter sobre a sexualidade. Embora ele fosse o melhor dos escritores britânicos de sua época, não avançou seriamente alem das idéias dos socialistas utópicos.

Embora Bernstein tivesse avançado além das idéias de Hirschfeld, ele possuía um projeto reformista. A sociedade precisaria ser educada para aceitar o homossexualismo – o problema seria a ignorância e o pensamento não científico. O instrumento dessa mudança seria o SPD, educando e transformando gradualmente a sociedade para aceitar o homossexual.

Além disso, embora o SPD impressionasse com seu discurso, as suas ações freqüentemente iam na direção oposta. Embora o partido se pronunciasse, realizasse campanhas e fizesse agitação pela legalização da homossexualidade masculina, a questão era vista como uma bandeira da luta pelas liberdades civis. O SPD, com seus clubes e sociedades, estava firmemente incrustada na “respeitável” classe trabalhadora. A base material da opressão, a família, era poupada. O SPD fora construído dentro da estrutura da sociedade capitalista, e uma das “superestruturas” nas quais estava mais profundamente ligada era a família.

A idéia de que combate pela libertação sexual significava adotar uma visão de socialismo na qual os rótulos de heterossexual e homossexual perderiam seu significado social, em que a família perderia a sua importância e a separação entre as vidas públicas e privadas deixaria de existir era estranha à maior parte do SPD. A estratégia do partido era reformista e não revolucionária.

Como Rosa Luxemburgo argumentou contra Bernstein, o conflito entre reformistas e revolucionários geralmente parece ser um debate de como alcançar o socialismo, mas a divergência é muito mais profunda. Trata-se do que é realmente o socialismo.

A verdade de sua posição foi demonstrada vívida e tragicamente pela atitude do SPD diante da I Guerra Mundial. Apesar de haver defendido a oposição à guerra, na hora H o SPD votou pelos créditos de guerra e apoiou o “seu” governo. Praticamente todos os outros partidos da II Internacional fizeram o mesmo. O nacionalismo que necessariamente resultou do reformismo anulou qualquer compromisso verbal com o internacionalismo.

A tradição socialista de combate À opressa sexual seria a partir daí assumida e desenvolvida pelo Partido Bolchevique e a III Internacional.

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